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Nada como uma crise prolongada para obrigar muita gente a revisar as rotinas da empresa. Na inércia típica de épocas de prosperidade, é comum fazer vista grossa para desperdício, contratar funcionários não exatamente moldados para as funções que ocupam e deixar novos e promissores projetos amadurecendo no forno. Tudo isso ficou para trás depois que o tsunami financeiro varreu o mundo e empurrou as companhias de volta aos fundamentos básicos da gestão enxuta, eficiente e econômica. O risco agora é de inação: ficar paralisado pelo medo de cometer equívocos, ou, no outro extremo, tomar decisões atabalhoadas.
Todo gestor sabe que para guiar a companhia durante a tormenta e dela sair sem danos ou mesmo fortalecida há uma lista infindável de coisas a serem colocadas em prática. De reduzir estoques, eleger os clientes que vale a pena manter, apertar o caixa e monitorar de perto os rivais a definir um percurso que dê conta de eventos imprevistos, motivando com argumentos capazes de convencer os subordinados de que, se forem executados com disciplina e diligência, seus planos serão bem-sucedidos.
Ao lado de tudo isso há um punhado de outras questões que todo líder deve se fazer. Está pronto para enfrentar a emergência? Está cercado de pessoal realmente competente, capaz de dar conta do tremendo desafio que representa uma pilotagem turbulenta? Trata-se, como afirma o consultor Ram Charan em seu recente livro Liderança na Era da Turbulência Econômica, de um autêntico teste de fogo para líderes de variados níveis, sobretudo quando o cenário dos negócios – aí incluídos clientes e fornecedores – move-se a uma velocidade inédita, como se vê agora. Sim, liderar hoje é decidir como se adaptar às mudanças e escapar das armadilhas para colher as oportunidades. E o peso de cada decisão, em um ambiente instável, é maior. Se para quase tudo existe um manual, não há nenhum que garanta uma visão infalível a fim de que as ações de hoje semeiem um futuro para a empresa. Sem prescrever propriamente uma receita, um estudo conduzido por uma dupla de especialistas americanos que somam 80 anos de experiência com a gestão de liderança joga luzes nesse turbilhão. São eles os americanos Warren Bennis e Noel Tichy.
Bennis, 84 anos, é professor da Universidade Southern California, a USC. Tichy, de 64, leciona na escola de negócios da Universidade de Michigan e tornou-se conhecido por ter dirigido e modernizado o célebre instituto de educação executiva da GE, em Crotonville, Nova York, nos tempos de Jack Welch. Ambos são reconhecidos como autoridades mundiais na matéria. Exímios detetives das salas de comando, eles dissecaram alguns dos mais ruidosos casos de fracasso de líderes corporativos, como o de Carly Fiorina à frente da HP, bem como investigaram as razões de desempenhos bem-sucedidos, como tem sido o de Alan Lafley à frente da Procter & Gamble. Ao final, sintetizaram um diagnóstico: “Juízo aguçado é aquilo que cria ou destrói um líder. Se houver bom discernimento, pouca coisa mais importa. Se não houver, nada mais importa”. A definição poderia soar simplista se esse não fosse um campo movediço dos estudos de liderança.
Com os extraordinários avanços da neurociência nos últimos anos, foi possível entender melhor como funciona a mente humana e sua imprevisibilidade. “As pesquisas mostram que as pessoas são míopes em suas decisões”, diz o psicólogo Daniel Kahneman, Nobel de Economia por seus estudos sobre o comportamento de investidores e homens de negócio. “Podem ser levadas a escolhas errôneas devido a falhas de memória e a uma avaliação incorreta das experiências passadas.” Isso explica por que até mesmo executivos com histórico placar de acerto na maioria das decisões têm pontos cegos. Foi o que causou, por exemplo, a demissão de Jacques Nasser, ex-CEO da Ford, ao ignorar os sinais de que membros de sua equipe principal conspiravam contra ele.
O papel mais importante de um líder, de acordo com Tichy e Bennis, é formular bom julgamento em três âmbitos. “O líder é pago para formar uma boa equipe, ter a estratégia certa e enfrentar crises”, disse Tichy a Época NEGÓCIOS. “Esses fundamentos são ainda mais importantes na atual crise, mesmo porque todos estão sendo mais pressionados.” Sucede que, segundo ele, o que se leciona sobre tomada de decisão em MBAs há meio século é irrelevante para formar grandes juízos. “Você senta com Lafley e pergunta: Como você decidiu fazer a aquisição por US$ 57 bilhões da Gillette? É só mastigar os números e seguir o que você aprendeu na Harvard Business School? Ao que Lafley diz: Não. No fim das contas, tenho de tomar uma decisão baseada num juízo. Isso porque quaisquer dados que tiver serão sempre imperfeitos.” A compra da Gillette fez parte de uma das maiores transformações recentes do mundo corporativo, protagonizada por Lafley, que assumiu a presidência da P&G em meio a uma crise, em 2000, e desde então quase triplicou o lucro, que foi de US$ 12 bilhões em 2008, e aumentou seu faturamento em 110%, para US$ 84 bilhões. Para Tichy, ele deve encabeçar, ao lado do empresário indiano Ratan Tata, qualquer lista de melhores executivos do século 21.
O equívoco com maior potencial de causar danos à empresa, segundo Tichy, está relacionado às pessoas. Por essa ótica, a anatomia de fracassos ganha uma nova interpretação. Considere o exemplo de Carly Fiorina. CEO que se apresentava como uma espécie de garota-propaganda da HP, sua queda foi atribuída na época a um suposto erro estratégico – a aquisição da concorrente Compaq, por US$ 19 bilhões. Seu sucessor, Mark Hurd, de perfil discreto, arregaçou as mangas e recuperou a empresa. Mas Hurd se beneficiou das avaliações estratégicas que Fiorina fez, inclusive da compra da empresa. O que faltou a ela, na avaliação dos autores, foi a necessária experiência de execução para implementar e colher os resultados da fusão. “Mas nem a melhor decisão do mundo tem valor se não for capaz de sair da sala da presidência e chegar ao chão de fábrica. A execução é aquilo que de fato acontece, aquilo que realmente se faz”, disse Lafley, entrevistado por Tichy no livro.
Numa época de incertezas, com estreita margem para equívocos, sob o risco de expor o futuro das companhias, os temas vinculados à boa liderança emergem com força na agenda corporativa. “Nas empresas com equipes de liderança efetivas, a crise ajuda a potencializar o melhor de cada um, e do próprio time. Nas demais, infelizmente muitas, a crise exacerba as tensões e as divisões”, afirma Jean-Marc Laouchez, consultor do Hay Group e especialista em desenvolvimento organizacional e liderança. “Como consequência, o CEO enfrenta um dilema: ou ser mais autoritário, de forma a tomar rapidamente as decisões exigidas pelo contexto, ou ser mais dirigente, aproveitando as pressões externas para construir uma equipe mais coesa e colaborativa, assumindo possivelmente riscos de curto prazo.”
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