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Maria do Carmo Tombesi Guedes Marini
Num país em que decidiu-se corrigir distorções sociais históricas criando cotas para pessoas com menor acesso ao êxito, era óbvio que a questão das cotas para mulheres no mercado de trabalho surgiria. Afinal, estudo da FGV comprova que a proporção de mulheres nos cargos de alta administração das companhias de capital aberto brasileiras é de apenas 8%. Por outro lado, países europeus que decidiram adotar o sistema de cotas conseguiram algum sucesso com a implantação das cotas. A França, por exemplo, já conseguiu ter 30% das posições executivas preenchidas por mulheres.
Existem muitas mulheres importantes ligadas ao estudo da questão feminina no mercado de trabalho que aprovam a medida. Outras nem tanto. Eu me incluo nesse último grupo. Não gosto de cotas. Acredito que, num sistema que garante posições às pessoas não por seus méritos, mas por suas características não escolhidas, muitas distorções podem ocorrer, diminuindo a qualidade dos resultados. Especialmente num país como o nosso, onde o jeitinho é uma maneira aceitável de se comportar, acho que esse sistema é extremamente perigoso.
Como todas as medidas que têm surgido no sentido de diminuir desníveis de oportunidades entre os diversos segmentos da população, o resultado pode ser menos uma solução do que um problema. Isso porque esse tipo de iniciativa não vem acompanhado de uma profunda análise de outras razões para a existência das desigualdades, análise essa que geraria soluções mais abrangentes.
No que se refere à questão feminina, existe a necessidade de repensar o modelo de administração das empresas, por exemplo. O modelo predominante é um modelo masculino, que veio se consolidando desde após a Revolução Industrial. Fala-se muito em novas formas de gestão de carreiras e, obviamente, isso tem evoluído significativamente nos últimos anos. Entretanto, pouco se fala sobre o modelo administrativo seguido pela maioria das empresas, cujas exigências ainda estão longe de considerar a realidade da maioria das mulheres.
O conceito de integração entre vida pessoal e profissional ainda é pouco utilizado, por enquanto ainda se fala de balanço. Pergunte em qualquer empresa se a vida social de um empregado acrescenta algum valor à empresa e a resposta será não. Procure saber o que as empresas estão fazendo nesse sentido e a maioria ainda está procurando trazer os colaboradores – e especialmente as colaboradoras -, mais para dentro da empresa. Ainda é considerado um avanço ter o curso de línguas, a academia, a creche dentro das empresas para que as mulheres permaneçam internadas o maior tempo possível. É muito difícil encontrar empresas que consideram que a convivência dos empregados no clube ou com amigos de outras áreas, por exemplo, possa acrescentar conhecimento importante para seu dia a dia no trabalho.
E esses são apenas alguns itens que detêm as mulheres na sua ascensão aos postos mais importantes dentro das organizações. Existem questões relacionadas unicamente às características femininas, construídas através de séculos de coadjuvância que precisam ser abordadas e superadas. Ainda hoje, mulheres são limitadas pelo chamado “teto de vidro”, ou seja, as diversas barreiras que limitam as trajetórias femininas para o alto e que têm um efeito devastador na autoconfiança delas. Muitas ainda acham que não são capazes, ou não serão levadas a sério ou não serão vistas como candidatos viáveis numa competição por altos cargos. Elas nem brigam suficientemente pelas posições, não acham que o esforço vale a pena.
Outro fator limitante é a dificuldade que as mulheres têm em confiar em outras mulheres como profissionais. Poucas são aquelas que, ao atingir o topo das organizações, trazem mais mulheres para trabalhar com elas. Vários estudos sobre a psicologia das mulheres nas organizações afirmam que, aparentemente, as mulheres têm dificuldade em aceitar que outras mulheres sejam melhor sucedidas que elas. Além disso, normalmente as mulheres pressionam outras mulheres a não serem tão ambiciosas e ainda criam obstáculos nas carreiras das outras. Por essas razões, muitos estudiosos de gênero e carreira ainda sugerem que as empresas tenham times mistos encarregados das contratações. Não seria o caso de estudar as razões psicológicas que fazem as mulheres serem tão pouco solidárias com outras mulheres e descobrir uma forma de anular mesmo que parcialmente esses efeitos?
Enfim, cito esses exemplos de problemas encontrados na sociedade do trabalho para questionar a questão das cotas. Elas serão uma solução ou apenas uma panaceia que criará maiores conflitos dentro das organizações? Na minha opinião, a segunda hipótese parece mais realista. Entretanto, vamos ver em que sentido nosso país caminhará e qual será o futuro que nos aguarda nesse sistema que pode estar criando novas formas cruéis de preconceito.
Existem muitas mulheres importantes ligadas ao estudo da questão feminina no mercado de trabalho que aprovam a medida.
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